Recordista mundial do salto com vara, o francês Renaud Lavillenie, de 29 anos, é um mito do esporte. Já foi campeão olímpico, europeu e mundial. Está acostumado às grandes competições de atletismo, em que várias modalidades são disputadas simultaneamente na mesma arena – o que provoca ruídos de diversas maneiras, do público, dos alto-falantes, dos demais competidores. Na segunda-feira 15, depois que uma forte chuva chegou a adiar as provas no Estádio Olímpico Nilton Santos, conhecido como Engenhão, Lavillenie viu sua marca ser superada pelo brasileiro Thiago Braz, 22 anos, e saiu indignado. aqui
O saltador poderia ter culpado a pista molhada, o vento, ou simplesmente ter reconhecido suas próprias falhas. Em vez disso, preferiu culpar a torcida brasileira, que o vaiou insistentemente. “Em 1936, o público de Berlim estava contra Jesse Owens”, disse, em referência ao atleta americano que foi hostilizado pelos nazistas de outrora. “Desde então não víamos algo parecido.”
PREPARAÇÃO Seleção feminina de basquete americana chega à embarcação em que ficou hospedada no Rio (Crédito:Markus Schreiber e David Goldman/AP Photo)
A estúpida comparação escancarou o preconceito contra os brasileiros arraigada em cidadãos de países ricos. Com a Olimpíada, a primeira na América do Sul, a imagem do País no Exterior ficou sob uma lupa. Cada problema ganhou contornos alarmistas. Mesmo antes de os Jogos começaram, os estrangeiros destilaram preconceitos. A goleira americana Hope Solo postou uma imagem, na véspera de embarcar para o Brasil, em que aparecia coberta da cabeça as pés, com uma espécie de máscara anti-mosquitos e cercada por repelentes.
m sua quinta Olimpíada (as anteriores foram Londres-2012, Pequim-2008, Atenas-2004 e os Jogos de Inverno de Sochi-2014), o jornalista australiano Anthony Sharwood, do site Huffington Post, elegeu o Rio como a melhor. “As pessoas fizeram com que eu me sentisse muito bem vindo”, afirma. Sharwood se tornou no Brasil uma espécie de celebridade das redes sociais depois de publicar uma foto num boteco próximo ao Sambódromo, onde ele cobria a competição de tiro com arco.
Tudo por causa da epidemia de zika vírus, que, como o desenrolar da Olimpíada mostrou, não era um problema para este período do ano. Também houve enorme exagero a respeito dos riscos da violência, da poluição nas águas da Baía Guanabara e da Lagoa Rodrigo de Freitas. Até uma instituição típica carioca como o biscoito Globo foi massacrada pelo jornal americano The New York Times, que aproveitou para criticar, por desconhecimento ou apenas maldade, toda a culinária carioca – como se os hambúrgueres americanos fossem grande coisa. Os americanos destilaram tanto preconceito antes dos Jogos que até hábito da seleção de basquete do País de se hospedar fora da Vila Olímpica foi mal interpretado.
DISCRIMINAÇÃO À esq. goleira do futebol feminino dos EUA publica foto com repelente, em alusão ao zika. À dir.: biscoito Globo, criticado pelo jornal The New York Times (Crédito:Markus Schreiber e David Goldman/AP Photo)
Em sua quinta Olimpíada (as anteriores foram Londres-2012, Pequim-2008, Atenas-2004 e os Jogos de Inverno de Sochi-2014), o jornalista australiano Anthony Sharwood, do site Huffington Post, elegeu o Rio como a melhor. “As pessoas fizeram com que eu me sentisse muito bem vindo”, afirma. Sharwood se tornou no Brasil uma espécie de celebridade das redes sociais depois de publicar uma foto num boteco próximo ao Sambódromo, onde ele cobria a competição de tiro com arco.
O local era justamente o tipo de lugar que o repórter havia sido aconselhado a evitar, mas Sharwood adorou o “lado real” da cidade. Antes de vir ao País, a imagem que ele tinha do Rio havia sido moldada por filmes carregados de violência como Cidade de Deus e Tropa de Elite, mas ele decidiu chegar aqui com a cabeça aberta. “Grande parte da cobertura negativa vem da imprensa americana e é bem hipócrita”, diz. “Eles devem estar com inveja, porque faz 20 anos que não sediam uma Olimpíada.”
INTOLERÂNCIA Após perder a luta, judoca egípcio Islam El Shehaby se recusa a cumprimentar o oponente israelense Or Sasson (Crédito:Markus Schreiber e David Goldman/AP Photo)
Barreiras que foram rompidas
Apesar de alguns gestos de intolerância, a Olimpíada do Rio mostrou…
*O verdadeiro sentido do espírito olímpico quando a corredora americana Abbey D’Agostino sofreu uma queda, torceu o tornozelo nos 5 mil metros femininos e recebeu a ajuda da neozelandesa Nikki Hamblin para completar a prova. No final, as duas se abraçaram, emocionadas
*Que a rivalidade entre a Coréia do Sul e a Coréia do Norte foi deixada de lado com as ginastas Lee Eun-ju, 17 anos, e Hong Um-jong, 27 anos. Elas ficaram amigas, conversaram durante as competições e até tiraram fotos juntas
*Dooa Elhgobashy, 19 anos, e Nada Meawad, 18 anos, que perderam os dois jogos que competiram, mas se consagraram as primeiras mulheres egípcias a disputarem a modalidade do vôlei de praia em uma Olimpíada, mesmo vestindo calça, blusa de manga comprida e véu
Os Jogos Olímpicos foram criados para celebrar a união entre os povos, mas, mesmo nas competições, o preconceito se revela de diversas formas. Nas oitavas de final da categoria para atletas acima de 100 quilos, o judoca egípcio Islam El Shehaby se recusou a apertar as mãos do israelense Or Sasom, levando para os tatames velhas rusgas políticas que não combinam com os valores olímpicos. Neste caso, porém, a punição foi exemplar. Um dia depois da grosseria, o Comitê Olímpico Internacional decidiu excluir o judoca dos Jogos, obrigando-o a retornar para o seu país. Que sirva de lição para os intolerantes e preconceituosos.