Presidente afastada reconheceu ter errado e se comprometeu em apoiar a antecipação da eleição presidencial, caso seja absolvida do julgamento do impeachment; Dilma também defendeu o “diálogo” com o Congresso
A presidente afastada Dilma Rousseff leu nesta terça-feira (16) uma carta destinada ao povo brasileiro e aos senadores, em uma derradeira tentativa – possivelmente inócua – de evitar sua cassação. aqui
Na mensagem, Dilma reconheceu ter errado e se comprometeu em apoiar a antecipação da eleição presidencial, caso seja absolvida do julgamento pelo Senado. O processo deve ser concluído até início de setembro – ela precisa dos votos de 28 dos 81 senadores para ser absolvida e hoje só conta com 21.
Apesar de pesquisas de opinião indicarem que a maioria da população deseja que o pleito de 2018 seja adiantado, a realização de eleições antecipadas exigiria a aprovação de uma emenda constitucional, com apoio de três quintos dos parlamentares. Nesta terça-feira (16), porém, a maioria deles apoia o governo de Michel Temer.
Na carta, também voltou a atacar o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que aceitou a abertura de impeachment quando era presidente da Câmara e agora luta para não ser cassado.
Veja abaixo os principais pontos da carta de Dilma. O documento foi lido no Palácio do Alvorada, com a presença de ex-ministros do seu governo, como Eleonora Menicucci, Jaques Wagner e Aloizio Mercadante – todos com semblante bastante cabisbaixo. A imprensa não pôde fazer perguntas.
“Errei”
Logo no início da carta, a presidente afastada reconhece que seu governo errou. O gesto chama atenção porque Dilma raramente admite falhas, embora seus críticos, e mesmo aliados, frequentemente a culpem pelo esfacelamento da articulação política em sua gestão.
“Na jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas”, destacou.
“Acolho essas críticas com humildade e determinação para que possamos construir um novo caminho”.
Muitas vezes acusada de não saber ouvir, Dilma defendeu “diálogo” com o Congresso, a sociedade, os movimentos sociais, empresários e trabalhadores.
“Golpe”
Embora reconheça que tenha cometido erros, Dilma volta a afirmar que não cometeu crimes. Argumenta também que no regime presidencialista o governante eleito não pode ser destituído pelo “conjunto da obra”.
“Quem afasta o presidente pelo ‘conjunto da obra’ é o povo e, só o povo, nas eleições. Por isso, afirmamos que, se consumado o impeachment sem crime de responsabilidade, teríamos um golpe de Estado”, declarou.
Dilma está sendo acusada de ter adotado operações ilegais na gestão das contas públicas, para manter gastos em alta, mesmo com a queda de arrecadação. Ela nega qualquer irregularidade e diz que seus antecessores adotaram as mesmas medidas.
“Os atos que pratiquei foram atos legais, atos necessários, atos de governo. Atos idênticos foram executados pelos presidentes que me antecederam. Não era crime na época deles, e também não é crime agora”, afirmou.
“Honesta”
A presidente afastada declarou ainda que é honesta e que nunca roubou. Ela não fez menção ao escândalo de corrupção da Petrobras, durante seu governo, nem às acusações contra o PT.
Na carta, também voltou a atacar o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que aceitou a abertura de impeachment quando era presidente da Câmara e agora luta para não ser cassado.
“Jamais se encontrará na minha vida registro de desonestidade, covardia ou traição. Ao contrário dos que deram início a este processo injusto e ilegal, não tenho contas secretas no exterior, nunca desviei um único centavo do patrimônio público para meu enriquecimento pessoal ou de terceiros e não recebi propina de ninguém”, disse.
“Plebiscito”
Conforme havia adiantado em entrevista à BBC Brasil, Dilma defendeu em sua carta a realização de um plebiscito para consultar a população sobre a antecipação das eleições.
A consulta também abordaria a necessidade de uma reforma política, propôs ela.
“A restauração plena da democracia requer que a população decida qual é o melhor caminho para ampliar a governabilidade e aperfeiçoar o sistema político eleitoral brasileiro”, afirmou.
Pouco antes, o presidente do Senado, Renan Calheiros, antigo aliado de Dilma, havia criticado a proposta.
“Na democracia, a melhor saída é sempre a saída constitucional. Plebiscitos, novas eleições não estão previstos na Constituição. Isso não é bom”, disse ele, ao ser questionado por jornalistas.
“Nenhum direito a menos”
Abraçando a bandeira de movimentos sociais e grupos de esquerda, que se opõem a reformas propostas pelo governo do presidente interino Michel Temer, Dilma exaltou a Constituição brasileira.
Temer defende a adoção de uma reforma trabalhista, que mexeria nos direitos dos trabalhadores, e quer que o Congresso crie um teto para os gastos do governo, o que pode afetar áreas como saúde e educação.
“Reafirmo meu compromisso com o respeito integral à Constituição Cidadã de 1988, com destaque aos direitos e garantias individuais e coletivos que nela estão estabelecidos. Nosso lema persistirá sendo ‘nenhum direito a menos’”, diz a carta de Dilma.
“Esperança”
A presidente concluiu a mensagem relembrando seu passado de luta contra a Ditadura Militar (1964-1985), período em que chegou a ser presa e torturada. E disse ter esperança de ser absolvida pelo Senado.
“Não existe injustiça mais devastadora do que condenar um inocente”, afirmou.
“A vida me ensinou o sentido mais profundo da esperança. Resisti ao cárcere e à tortura. Gostaria de não ter que resistir à fraude e à mais infame injustiça. Minha esperança existe porque é também a esperança democrática do povo brasileiro, que me elegeu duas vezes presidenta”, continuou.
“Quem deve decidir o futuro do país é o nosso povo. A democracia deve vencer”, concluiu.