Excomungado da igreja católica em 2013, por defender direitos dos homossexuais e aqui
de casais divorciados, padre Beto fala sobre declaração do Vaticano em ordenar
homossexuais. “Se viesse hoje, Cristo seria mulher, preta, pobre e lésbica”, diz.
Um decreto sobre a formação de sacerdotes publicado nesta quarta-feira (08/12) pelo Vaticano, recorda a exigência de abstinência sexual e a proibição de homossexuais no exercício do sacerdócio.
Um decreto sobre a formação de sacerdotes publicado nesta quarta-feira (08/12) pelo
Vaticano, recorda a exigência de abstinência sexual e a proibição de homossexuais no
exercício do sacerdócio.
“A Igreja, respeitando as pessoas envolvidas, não pode admitir no seminário e nem
nas ordens sagradas os que praticam a homossexualidade, apresentem tendências
homossexuais profundamente enraizadas ou apoiem o que se conhece como cultura
gay”, destaca o documento, publicado nesta quinta-feira pelo Osservatore Romano,
diário oficial do Vaticano.
Este novo guia completo, aprovado pelo Papa, atualiza uma versão emitida há 46
anos, mas a não admissão de padres com tendências homossexuais foi tratada pela
Igreja Católica em 2005. O documento faz exceção para as “tendências homossexuais
que sejam unicamente a expressão de um problema transitório como, por exemplo,
uma adolescência ainda não terminada” . A declaração repercutiu na imprensa e nas
redes sociais.
Em 2013, o padre Roberto Francisco Daniel, mais conhecido como padre Beto, de
Bauru (SP), foi excomungado da igreja católica por defender, publicamente, temas
polêmicos como aceitar homossexuais e pessoas divorciadas na comunidade cristã.
Ele, que é formado em Direito e História, fundou a própria igreja, a Humanidade Livre,
após a expulsão. Padre Beto falou sobre as declarações do Vaticano.
Padre Beto, como o senhor analisa a postura da igreja em relação à
homossexualidade e a homofobia?
Padre Beto: Eu vejo a postura da igreja como homofóbica. Afinal, em relação aos
fiéis o Catecismo é muito claro. O homossexual pode frequentar os sacramentos da
igreja, desde que viva em castidade. Em outras palavras, a igreja aceita o
homossexual, mas não a homossexualidade. Se esta postura não é homofóbica, eu
não sei mais o que é homofobia. O resultado desta determinação eclesiástica é o
conflito interno do homossexual, que foi criado no catolicismo, e a rejeição de sua
sexualidade tanto por ele como por seus familiares. Em relação aos sacerdotes a
postura piora. Os candidatos ao sacerdócio não somente precisam ter vocação (o que
é justo e correto), mas precisam ser heteros. A igreja recusa oficialmente candidatos
homossexuais ao sacerdócio, mas não para por aí, julga os homossexuais como
pessoas imaturas! A homossexualidade seria para a igreja uma “adolescência não
terminada” segundo o decreto sobre a formação dos sacerdotes.
A igreja Católica está fora da atual realidade no mundo sendo contra a união
entre pessoas do mesmo sexo?
Padre Beto: Com certeza. Ela se recusa a assimilar os conhecimentos adquiridos
pela Medicina, Psicologia e Psiquiatria sobre a sexualidade humana. Ela continua com
conceitos atrasados e não facilita, a seus fiéis como também aos candidatos ao
sacerdócio, uma lúcida educação sexual.
O Vaticano ressaltou em um decreto que os homossexuais não podem ser
padres. Por que o gay não é admitido?
Padre Beto: Segundo o decreto enxerga o que chama de “tendências homossexuais”
como a expressão de um problema transitório como, por exemplo, uma adolescência
ainda não terminada. Daí se presume que, somente superando este problema
transitório o candidato estaria preparado para o sacerdócio? Ora, homossexualidade
não é problema, mas uma sexualidade. O homossexual não é um ser imaturo. Todos
os amigos que tenho homossexuais, assim como os homossexuais que casei nestes
anos depois da minha excomunhão, são pessoas extremamente maduras. Para ser
homossexual assumido em um país como o nosso é preciso um alto grau de
maturidade. E a igreja assume a posição de que o homossexual não consegue viver
no celibato. Ora, o celibato é uma vocação e está independe da sexualidade. Muitos
heteros, apesar de terem vocação para o sacerdócio, não possuem vocação para o
celibato. O texto não é lucido e demonstra uma falta de conhecimento sobre a
sexualidade humana, como também acaba por ser homofóbico. Eu imagino o que
aconteceria com uma empresa que determinasse que seus funcionários fossem
somente heterossexuais. Ou o que acontecesse com a igreja se ela determinasse que
os sacerdotes fossem somente brancos e não negros.
Como o senhor enxerga o futuro da igreja Católica frente a essas posturas
rígidas que negam a diversidade?
Padre Beto: Se a igreja não mudar radicalmente de postura ela vai continuar a perder
fieis. As novas gerações não se identificam mais com posturas tão retrógradas como a
não aceitação da homossexualidade, a recusa do uso da camisinha e de métodos
anti-concepcionais, a declaração de que sexo fora do casamento é pecado, a não
aceitação das mulheres no sacerdócio etc. Mas, não só isso. A igreja incentiva a
hipocrisia e a homofobia, pois, durante quinze anos de sacerdócio não conheci
nenhum fiel que realmente obedecesse às regras da moral sexual da igreja. Se vive
uma vida fora das regras, mas representa-se um papel dentro da igreja como se
estivesse vivendo as regras. E a homofobia é alimentada como afirmei acima, apesar
de muitos sacerdotes serem gay (apesar de não assumidos). São essas contradições
que os jovens não aceitam mais.
Qual a sua opinião sobre a cura gay?
Padre Beto: Em relação à homossexualidade não se pode falar de “cura”. Isso é um
absurdo, a homossexualidade não é uma doença. Doente é a sociedade e as
instituições que se recusam em aceitar a diversidade sexual e vivem em uma
esquizofrenia de comportamento. Possuem um discurso e uma prática contrastantes.
Aqui sim é necessária uma cura.
Esta forma de tratar os homossexuais está de acordo com os ensinamentos de
Jesus?
Padre Beto:O Cristo é muito mais revolucionário do que a igreja vende. Cristo veria
com uma grande tristeza a forma como essas pessoas são tratadas hoje. Se você lê
os evangelhos, vê que Ele é muito solidário com as pessoas marginalizadas, se
aproxima dessas pessoas sem nenhum julgamento e é muito mal visto pelas pessoas
“corretas”, e vai ser muito mal visto até chegar à cruz.
Hoje, Cristo estaria lutando pelos direitos individuais das mulheres, dos homossexuais
e em relação a outras questões. Com certeza estaria do lado LGBT. Jesus é o verbo
que se fez carne, Deus que se faz presente entre nós. Para ter voz, teria que se
adaptar à época. Por isso, Deus apareceu como homem, assim como Jesus. Se
aparecessem como mulher, naquela época, seriam apedrejados no primeiro discurso.
Se o verbo se fizesse carne hoje, viria na pele de uma mulher, pobre, negra e lésbica,
com toda certeza. O verbo se fez carne na periferia, não nasceu em Roma, que era a
capital, não era um romano que teria status e poder. Se fez gente no lugar
marginalizado e se une aos marginalizados.
Sexualidade é saúde, não é só uma questão moral. Nesse ponto, a igreja deve
começar a se abrir para a diversidade sexual: reconhecê-la como riqueza e não como
pecado. Há muitos homossexuais dentro do clero, então seria fácil. As palavras do
sacerdote são muito importantes para um povo tão religioso. A igreja poderia ajudar na
educação sexual de qualidade. Ao invés de castrar a sexualidade ou limitá-la, poderia
ensinar sobre gravidez. Em uma boa educação, o jovem sabe que não deve se casar
sem conhecer a intimidade do parceiro. O celibato também não deveria ser
obrigatório.
A Excomunhão
Depois de atuar por 14 anos na Igreja Católica, o padre Roberto Francisco Daniel,
mais conhecido como padre Beto, renunciou ao sacerdócio e acabou por ter sua
excomunhão decretada. Tudo aconteceu após declarações registradas num vídeo
publicado no Youtube, onde o padre aborda e questiona temas relacionados à moral e
fala com aceitação sobre assuntos como bissexualidade e homossexualidade.
O Vaticano ratificou a decisão da excomunhão dado pelo bispo de Bauru em
novembro de 2014, mas até hoje, padre Beto diz não ter recebido nenhum
comunicado. “É incrível, mas até hoje não recebi nenhuma comunicação oficial. Eu
soube pela imprensa apenas”, comenta o religioso.
O religioso se afastou da igreja em abril de 2013, após ser repreendido pela diocese
local por suas declarações na internet. Em redes sociais ele contestou os princípios
morais conservadores da igreja e opinou sobre assuntos considerados polêmicos
como homossexualidade e infidelidade. Por não se retratar publicamente, como
determinou o bispo de Bauru, ele foi excomungado.
Desde então, padre Beto continuo a desenvolver atividades pastorais – missas,
casamentos e atendimentos. O diferencial é que, no caso dos casamentos, por
exemplo, ele tem realizado cerimônias entre pessoas divorciadas e do mesmo sexo, o
que seria impossível de se imaginar na Igreja Católica.
Com pensamentos progressistas e humanitários, padre Beto defende uma revisão na
moral sexual da Igreja Católica. Segundo ele, há que se considerarem questões como
métodos contraceptivos, masturbação e diversidade sexual.
“A moral sexual da igreja como um todo precisa ser revisada, pois está muito
defasada. A igreja precisa discutir sobre esses assuntos, pois da maneira que está
gera hipocrisia. Um exemplo básico é que as maiorias dos casais usam
anticoncepcionais, camisinha, fazem vasectomia, mas frequentam a igreja e fingem
usar o método Billings (tabelinha), que é pregado pelos padres. Os jovens também já
começam a sexualidade com culpa, através da masturbação, ato que a Igreja Católica
considera individualista e pecaminoso”, diz.
Poucos sabem, mas a excomunhão não tira o título de padre de alguém. E por isso
mesmo tendo sido excomungado, ele continua sendo padre, até mesmo perante a
Igreja Católica.
“Tornei-me um padre excluído, mas continuo sendo padre”. Eu me sinto padre, não
tem como mudar isso. Banido, mas eu sou um sacerdote. Isso oficialmente, para
Igreja Católica. Existe o processo de secularização. Eles (o Vaticano) podem abrir um
processo desse e para a Igreja Católica eu deixo de ser padre mesmo, eu volto ao
estado laico. Por enquanto eu sou um padre, só que um padre excomungado. O
pessoal usa o ex-padre talvez por não entender a excomunhão, o que ela é. Eu
espero agora com a criação da Humanidade Livre espero que o pessoal fale “ele é um
padre da Humanidade Livre”, explica padre Beto.
QUEM É PADRE BETO?
Padre Beto (Roberto Francisco Daniel), bauruense, nascido em 1965. Formado em
Radialismo (SENAC-SP), em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (Bauru), em
História pela Universidade do Sagrado Coração (Bauru) e em Teologia pela
Universidade Estadual Ludwig-Maximilian de Munique, Alemanha. Nesta última
concluiu seu doutorado em Ética. Foi ordenado Padre pela Igreja Católica em Bauru
no ano de 1998.
Exerceu o ministério de sacerdote na Diocese de Bauru por 14 anos. Professor de
Filosofia da Faculdade de Direito (ITE), professor de Filosofia nos Cursos de Direito,
Administração e Magistério da Unip-Bauru. Ministrou aulas de Filosofia para o ensino
médio e cursinhos.
Por cinco anos foi apresentador da rádio 96 FM Bauru. Durante nove anos foi cronista
do Jornal da Cidade (Bauru) e logo após escreveu para o Jornal Bom Dia (Bauru). Foi
apresentador da “Mensagem do Dia” na 94 FM (Bauru) e apresentador do programa
“Tema Livre” na mesma rádio. Também apresentou o programa “Espaço Aberto” pela
Auri Verde AM Bauru, aos Domingos das 22h à Meia Noite. Atualmente é cronista de
vários jornais. Autor de diversos livros sendo dois em língua alemã. O último livro
publicado foi “Coragem para Pensar Diferente”. Em 2013 recebeu o Prêmio “Rio Sem
Preconceito”, que homenageia personalidades que de alguma forma contribuíram na
luta contra a discriminação no país.