A poucas semanas da votação que poderá tirar Dilma Rousseff da Presidência em definitivo, a defesa da petista recorreu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) para tentar reverter o processo. aqui
Assinada por quatro congressistas aliados de Dilma e entregue na última terça-feira na sede da organização, em Washington, a petição solicita o retorno da presidente ao cargo e a suspensão imediata da tramitação do impeachment, para que a comissão analise se tratados internacionais foram violados.
O gesto expõe a estratégia da presidente de internacionalizar o caso, conforme fracassam seus esforços para frear o processo no Brasil e o governo interino tenta antecipar a votação final do impeachment no Senado.
Professor de direito constitucional na PUC-SP, Pedro Serrano avalia que o impeachment de Dilma é um “ataque à democracia” e viola os tratados que regem a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, braço da OEA responsável por analisar denúncias de violações de direitos humanos cometidas pelos Estados membros contra seus próprios cidadãos.
O recurso à OEA é tido como uma das últimas esperanças de Dilma: o secretário-geral da entidade, Luis Almagro, já se expressou contra o impeachment várias vezes, e dois integrantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos serviram em governos petistas.
Especialistas afirmam, porém, que mesmo que Dilma obtenha uma decisão favorável, a medida teria efeitos mais simbólicos do que práticos e dificilmente suspenderia o processo contra ela no Brasil.
Professor de direito constitucional na PUC-SP, Pedro Serrano avalia que o impeachment de Dilma é um “ataque à democracia” e viola os tratados que regem a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, braço da OEA responsável por analisar denúncias de violações de direitos humanos cometidas pelos Estados membros contra seus próprios cidadãos.
Ele afirma que, juridicamente, há base para uma decisão da comissão em favor de Dilma, mas que, assim como outros órgãos internacionais, a entidade costuma seguir critérios mais políticos do que jurídicos em suas ações.
Serrano diz que, ainda que a comissão decida em favor de Dilma, o gesto não teria um impacto automático no Brasil. Ele lembra que o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – órgão que julga casos propostos pela comissão ou por signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos – por não processar os responsáveis por atrocidades na Guerrilha do Araguaia ou na ditadura miliar.
As decisões, diz ele, jamais alteraram a posição do Brasil sobre os temas.
“Não é função dessas cortes substituir o judiciário interno: elas não são órgãos soberanos, com poder coativo imediato”, afirma.
Mesmo o governo de Dilma já se recusou a acatar uma decisão da comissão, quando em 2011 o órgão pediu a suspensão da construção da hidrelétrica de Belo Monte ao avaliar que os direitos de indígenas haviam sido violados. Em resposta, a presidente retirou o embaixador brasileiro do órgão e congelou os pagamentos do Brasil à entidade.
Segundo o professor, uma decisão favorável a Dilma sobre o impeachment geraria pressão sobre a Justiça brasileira e fortaleceria a posição interna da petista, mas a suspensão do processo dependeria de uma decisão do Supremo ou do Congresso Nacional.
Em entrevista ao site Nexo, a professora de relações internacionais da USP Deisy Ventura diz que há a possibilidade de que a comissão constate que os direitos de Dilma foram violados à luz da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
No entanto, ela também afirma que a possibilidade de incidência do órgão é “muito limitada”.
Mesmo que a comissão decida punir o Brasil pelo caso, Ventura diz que as sanções só seriam aplicadas com a anuência de todos os Estados membros da OEA – o que considera improvável dado o “grande peso econômico e político do Brasil na região, gerando o provável receio dos governos dos Estados parceiros de que suas relações diplomáticas e comerciais se vejam dificultadas por tal gesto”.
Prefeito afastado
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), um dos signatários da petição à comissão, diz à BBC Brasil que o grupo só recorreu ao órgão após “esgotar todas as possibilidades legislativas e jurídicas no Brasil”. Ele espera que a entidade se pronuncie sobre o caso antes da votação final do impeachment, que deve ocorrer no fim de agosto.
Segundo ele, o pedido se ampara em duas decisões da comissão no passado.
Numa delas, em 2014, o órgão concedeu uma medida cautelar em favor do então prefeito de Bogotá, Gustavo Petro. A Procuradoria colombiana havia afastado Petro e o proibido de exercer atividades políticas por 15 anos após acusá-lo de irregularidades em contratos para a coleta de lixo.
A comissão pediu que o Estado colombiano não executasse a decisão da Procuradoria, posição que acabou respaldada pela Justiça local e fez com que o prefeito voltasse ao cargo quatro meses após o afastamento.
O outro caso foi movido contra a Venezuela por vetar a participação de Leopoldo López, um dos líderes da oposição, na eleição de 2008. López era acusado de irregularidades quando prefeito de Chacao.
A comissão decidiu que ele deveria ser liberado para se candidatar, mas a Justiça venezuelana se recusou a seguir a recomendação.
Brasileiros na comissão
A relatoria do caso de Dilma ficará com o comissário peruano Francisco Praeli, ex-ministro da Justiça no governo Ollanta Humala e responsável por todos os casos que envolvem Brasil, Honduras, Uruguai e Venezuela.
Praeli é um dos sete comissários da organização, escolhidos em eleições entre os 23 países membros da OEA. Um dos comissários é o brasileiro Paulo Vannuchi, ex-ministro dos Direitos Humanos no governo Lula.
Para evitar conflitos de interesse, os comissários não assumem a relatoria de casos que envolvam seus países.
Também é brasileiro o novo secretário-executivo da comissão, Paulo Abrão, ex-secretário nacional de Justiça no governo Dilma e que assume o posto nesta segunda para um mandato de quatro anos.
Paulo Pimenta diz que o grupo não espera contar com o apoio dos dois e que fez questão de entregar o pedido antes que Abrão assumisse para “evitar que os brasileiros se envolvam nesse processo”.
Em entrevista ao site Brasileiros em abril, Abrão disse que as “pedaladas fiscais” não justificavam o afastamento de Dilma.
“Seria um escárnio um país com problemas tão graves de desigualdade ter a presidente deposta por ter feito operações de crédito para assegurar a periodicidade do pagamento dos programas sociais para as populações mais pobres”, afirmou.
Até a publicação da reportagem, ele não respondeu um pedido da BBC Brasil para que comentasse o caso levado à comissão.
Recursos à corte
Em outra frente, o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, pediu em maio que a Corte Interamericana de Direitos Humanos se posicionasse sobre a legalidade do impeachment de Dilma.
A corte se recusou a se manifestar, dizendo que o pedido de consulta não poderia ser usado “para obter um pronunciamento indireto de um assunto em litígio” nem “como instrumento de um debate político interno”.
A corte poderá ser cobrada outra vez a se pronunciar sobre o tema, caso a comissão decida em favor de Dilma e avalie que o Brasil não seguiu a orientação do órgão.
Os julgamentos na corte, porém, costumam durar vários anos, o que torna improvável qualquer desfecho ainda durante o mandato do governo brasileiro atual.