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Ascensão e queda de Eduardo Cunha, um dos políticos mais poderosos do País

O mais longo processo de cassação da história da Câmara dos Deputados chegou ao fim na segunda-feira (12), após dez meses. Com 450 votos a favor, dez contra e nove abstenções, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) teve seu mandato cassado por quebra de decoro parlamentar, virou ficha-suja e fica inelegível até janeiro de 2027. aqui

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O ex-presidente da Câmara foi acusado de mentir na CPI da Petrobras, em 2015, ao negar ser titular de contas no exterior. Na Câmara, onde presidiu importantes comissões, como a de Constituição e Justiça, e liderou a bancada do PMDB, era conhecido como o “malvado favorito” de muita gente.

Para muitos, ele é visto como um dos principais nemeses de Dilma Rousseff, por ter iniciado, com sucesso, o processo de impeachment contra a presidente e que tirou o PT do poder após 13 anos. Sua trajetória, contudo, remonta a ‘era Collor’ (1990-1992).

Perfil

Em 1992 já havia um “Fora Cunha”. Naquele ano, em meio à turbulência em torno do processo de impeachment de Fernando Collor de Mello, o Sindicato dos Trabalhadores em Comunicação do Rio de Janeiro exigia a saída do economista Eduardo Cosentino da Cunha da presidência da companhia telefônica estadual. “Um collorido na presidência da Telerj”, denunciava o cartaz de protesto.

Hoje o “Fora Cunha” é uma hashtag e estampa cartazes e faixas contra o ex-collorido da Telerj que, quando esteve no comando da Câmara dos Deputados, era visto como um dos políticos mais poderesos do país. Foi ele quem deu início ao trâmite do processo de impechment da presidente Dilma Rousseff. Conduziu o processo de admissibilidade do impeachment enquanto ele mesmo é réu no Supremo Tribunal Federal sob a suspeita de lavagem de dinheiro e corrupção passiva – acusações que ele rechaça.

Agora, com sua cassação, o futuro do principal opositor de Dilma é ficar longe dos cargos públicos até 2027. Mais incerto, contudo, é o papel que ele exercerá daqui em diante nos bastidores da crise política do país.

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Seja como for, para o ex-deputado Roberto Jefferson, condenado no processo do mensalão, Cunha foi o “adversário mais à altura” que o PT já enfrentou em seus 13 anos de governo.

“Lula nunca esperou encontrar um bandido da mesma qualidade moral, intelectual que ele”, disse Jefferson em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada no último dia 31 de março.

Cunha, entretanto, tem muitos admiradores. “Ele é um político ousado, inteligente, disciplinado e trabalhador. Reúne todas essas qualidades. Leva isso ao extremo”, elogiou o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) à BBC em maio, quando ainda era um principais aliados de Cunha na encarniçada guerra contra o PT.

Em seguida, Maia virou um de seus maiores desafetos. Nesta segunda, foi Maia quem conduziu a sessão que cassou o mandato de Cunha.

De fato, Cunha sempre foi um político aplicado. Estuda os regimentos da Câmara com afinco, como na época em que era um estudante discreto, de cabelos compridos e óculos “fundo de garrafa” que sempre tirava boas notas, como conta um perfil publicado pelo jornal O Globo, também em março.

Mas nada em seu comportamento escolar nos anos 1970 (ele nasceu em 1958; este mês completa 58 anos) indicava que Cunha estaria hoje no centro do noticiário político do país, não apenas por ter sido cassado mas também por seu papel de principal opositor ao Poder Executivo.

Tesoureiro de campanha de Collor

“Cunha não era politizado quando jovem. Nunca foi de movimento estudantil nem de associação de moradores”, conta o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), ferrenho adversário do peemedebista.

“Ele vinha de uma família de classe média, era tijucano (morador do bairro da Tijuca, zona norte do Rio) como eu, e ingressou na política com um objetivo claro de ascensão social.”

Seu primeiro partido foi o PRN (Partido da Reconstrução Nacional): em 1989, ele ajudou a eleger Collor presidente, como tesoureiro do comitê de campanha no Rio, a convite “da figura mais nefasta daquele grupo, o Paulo Cesar Farias”, relata Chico.

Como se vê, a pecha de “collorido” que Cunha carregava em 1992 não era gratuita. Foi o próprio PC quem sugeriu a Collor nomeá-lo para a presidência da Telerj, em 1991. Antes de ingressar no mundo dos cargos comissionados, ele teve passagens como economista pelas empresas Arthur Andersen e Xerox.

Em sua gestão na telefônica, teve um papel importante na implementação da telefonia celular no Rio. Também foi envolvido, pela primeira vez, num escândalo de superfaturamento. A segunda vez veio em 2000, quando foi afastado da Companhia Estadual de Habitação (Cehab) por denúncias de contratos sem licitação e favorecimento a empresas fantasmas.

Ele havia sido nomeado pelo então governador Anthony Garotinho (hoje no PR), hoje um ferrenho desafeto, apenas seis meses antes.

Conta na Suíça

Entre a Telerj e a Cehab, Cunha foi apadrinhado pelo empresário e deputado federal Francisco Silva, dono da rádio gospel Melodia, evangélico como ele, e tornou-se radialista. Passou também a frequentar os cultos da Igreja Assembleia de Deus, onde construiu sua base eleitoral.

Nessa época ele já se casara com a jornalista Claudia Cruz, apresentadora do noticiário RJTV, da TV Globo, a quem convidara para ser “a voz” da Telerj.

O trabalho virou romance e, juntos, tiveram uma filha, Bárbara (ele tem outros três filhos do primeiro casamento). Levam uma vida de alto luxo: vão a jantares em restaurantes caríssimos de Paris, tiveram aulas de tênis em Nova York que custaram US$ 60 mil, possuem carros caríssimos. O dinheiro que paga esses prazeres está sendo investigado na Operação Lava Jato.

Claudia também é sócia de Cunha em diversas empresas suspeitas (entre elas, uma chamada Jesus.com) e titular de uma conta irregular na Suíça, bloqueada a partir da investigação. Nada que surpreenda Chico Alencar. “Ele sempre lidou com denúncias de negociatas em sua trajetória”, diz o deputado do PSOL.

Alencar e Cunha se conheceram pessoalmente quando se elegeram deputados estaduais, em 1998. Cunha entrou como suplente; teve apenas 15 mil votos, menos de sete por cento dos 232 mil que o tornaram o terceiro deputado federal mais votado do Rio em 2014.

“Naquela época ele era bem mais discreto, mas sempre foi considerado uma figura ardilosa”, recorda Chico.

Um terço da Câmara

Essa discrição acabou em 2014, quando Cunha liderou um “blocão” que exigia do governo mais cargos para os aliados. Como forma de pressão, passou a impor derrotas na Câmara a Dilma e ao PT, a quem já havia ajudado em momentos importantes, como na CPI do Apagão Aéreo, em 2007, quando já estava havia quatro anos no PMDB e era vice-líder do partido, com um séquito de seguidores.

Fiel companheiro de Cunha no impeachment de Dilma, o sindicalista Paulinho da Força, líder do partido Solidariedade, afirmou em maio que 180 dos 513 deputados federais dançam conforme a música que o antigo aluno de óculos “fundo de garrafa” toca. Quase um terço da Câmara.

“Individualmente, ele tem mais votos do que o PT e seus aliados. Cunha, sozinho, também tem mais força que a oposição”, disse em maio Paulinho, dono de um dos dez votos contrários à cassação de Cunha. Essa contabilidade, contudo, se mostrou equivocada na sessão desta segunda na Câmara.

Quando ainda estava presidindo a Câmara, Cunha, de fato, tinha ao seu lado um verdadeiro um exército legislativo conquistado com uma habilidade específica: “Ele cumpre tudo o que diz. Isso tem valor na Câmara; geralmente político fala e não cumpre. A lealdade e o compromisso com as pessoas o tornaram forte”, avaliou Paulinho.

Para o deputado André Moura, do PSC, que se absteve de votar na sessão que cassou o deputado, o “presidente Eduardo”, como o chama, dignifica o Parlamento. “Ele devolveu o protagonismo ao Legislativo. Deu altivez a essa casa”, opinou em maio o sergipano, que foi membro da tropa de choque dos aliados de Cunha.

“Apesar de todos os problemas pessoais que tem enfrentado, o presidente Eduardo consegue pautar e botar para votar matérias importantes, como o pacto federativo, a redução da maioridade penal e a reforma tributária”, diz Moura.

O deputado Wadih Damous (PT-RJ) vê Cunha de uma forma bem distinta.

“É um ditador na presidência da Câmara. Patrocina projetos de lei reacionários e alguns absurdos, como o projeto de lei do Dia do Orgulho Hétero. A figura dele é emblemática do que há de pior na política nacional”, afirma.

Glauber Braga (PSOL-RJ) faz coro. “Não tem limites no exercício e na conquista do espaço político. E hoje ele tem muito mais espaço para impor sua agenda retrógrada. Ele usa todos os instrumentos para ter acesso a um mecanismo de poder sem limites. Tenho convicção de que o mentor do acordão e articulador das ações do (vice-presidente) Michel Temer é o Cunha”, diz o deputado.

Roteiro de série

Em 15 de março de 2014, o jornal gaúcho Zero Hora publicou uma reportagem em que apontava Cunha como “o homem capaz de balançar a aliança entre peemedebistas e petistas”. No último 29 de março, o presidente da Câmara festejou o rompimento com o governo ao lado do senador Romero Jucá (também investigado pela Lava Jato) e outros peemedebistas.

“Ele buscou uma independência harmoniosa entre os poderes, mas o Palácio (do Planalto) nunca aceitou isso. Essa foi a origem dos problemas”, diz André Moura. “Ele se elegeu com base no poder econômico, com financiamento de caixa 2 de empresas, é réu no STF e, por isso, não tem legitimidade”, rebate o petista Damous.

Cunha é acusado, na Lava Jato, de receber propinas milionárias: por um contrato de navios-sondas da Petrobras teria recebido US$ 5 milhões; das empresas ligadas ao Porto Maravilha (no Rio de Janeiro), a soma chegaria a espetaculares R$ 52 milhões. Como se não bastasse, seu nome figura na lista de offshores reveladas pelos Panama Papers.

Com base nas denúncias apuradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou Cunha ao STF em setembro do ano passado. Ele nega todas as acusações e diz que é perseguido, inclusive por Janot.

Mas o marco do seu antagonismo derradeiro contra o PT veio, segundo os bastidores políticos, quando o partido do governo definiu, em dezembro, que não o apoiaria no Conselho de Ética da Câmara. Seu ato imediato foi aceitar um dos pedidos de impeachment e fazer andar o processo contra Dilma na Câmara- a ex-presidente reiteradamente o acusa “vingança”, o que ele nega.

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Porém, mesmo depois da maior das várias derrotas que já aplicou ao governo, o peemedebista preferiu evitar celebrar – ao menos publicamente. “Tudo isso é muito triste. Um caso grave”, disse aos jornalistas quando processo contra Dilma passou a tramitar. A ex-presidente foi afastada do cargo em maio e os senadores votaram o impeachment dela no fim de agosto.

Cunha nunca pareceu estar disposto a buscar uma trégua. Para ele, esta era uma luta pela própria sobrevivência. Ele conseguiu fazer com que seu processo de cassação se arrastasse lentamente, mas não foi capaz de arquivá-lo.

“Eduardo Cunha quer destruir, um a um, os opositores que debatem sua cassação”, disse à BBC Brasil o deputado José Carlos Araújo (PR-BA), que presideu o Conselho de Ética.

Em 2017, o Netflix promete lançar uma série inspirada na Lava Jato. A criação e direção serão de José Padilha (Tropa de Elite, Narcos). Já a trama do roteiro tem sido escrita no dia a dia da política nacional, com a atuação de Eduardo Cunha e de outros personagens. E ninguém, até aqui, consegue prever se desfecho dessa história termina com a cassação do ex-presidente da Câmara.

Cunha tem rejeitado a possibilidade de assinar um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal, mas promete um livro contando detalhes do impeachment de Dilma Rousseff e de seu próprio processo de cassação.

(Via Agencia)

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